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Capítulo 11
Terra de mulheres fortes e guerreiras

Capítulo 11: Terra de Mulheres Fortes e Guerreiras

Terra de mulheres fortes e guerreiras Belas, fortes, guerreiras, resistentes, resilientes... Essas características se encaixam como uma luva quando nos referimos às mulheres de Novo Lino. Em toda a história desse local, que já foi sítio, distrito e depois virou cidade, sempre houve um protagonismo delas digno de admiração e respeito acima de tudo. São verdadeiras onças, pois contam com a capacidade de enfrentar desafios, sem medo e com perseverança. A trabalhadora rural aposentada Iracema Maria da Conceição, moradora do Bairro Novo, é um exemplo claro disso. Com 109 anos de idade, ela é a pessoa mais idosa de Novo Lino. Nascida na zona rural de Xexéu, em Pernambuco, Iracema casou com um homem bem mais velho. Na mesma época, engravidou. De tão criança, ainda brincava de bonecas. “O meu marido, que se chamava José Luiz, era um coroa e mangava de mim porque eu era muito nova. Ele dizia: ‘Cala boca, menina! Fui eu que lhe criei’. Minha avó me apresentou a ele e ele me levou pra casa dele”, lembra com a ajuda da filha caçula, Maria Helena da Silva, 64 anos. No casamento com José Luiz, Iracema teve apenas um filho, que já faleceu. “Quando me casei, vim morar no sítio da mãe dele aqui em Novo Lino. Ele queria me tratar como filha. De tanto ser maltratada, saí de casa.” Aí ela retornou para Xexéu, onde conheceu o segundo marido, Antônio Martins da Silva, e retornou para Novo Lino. Neste segundo relacionamento, não houve casamento no papel, mas os dois tiveram 14 filhos. Dos 15 filhos que ela teve no total, só há atualmente três vivos. Iracema trabalhou muito cortando cana e capinando mato para educar os filhos. Segundo ela, o “segredo” para chegar a essa idade é que, antigamente, havia fartura na hora de comer. Ela ainda sente falta do segundo marido, que era 10 anos mais velho que ela e morreu há 20 anos. “Eu amava o meio ‘veio’, pois nunca me bateu e me tratava como uma princesa. Eu ainda amo ele (sic)”, afirma. Ao ser questionada sobre o que é a melhor coisa da vida, ela não titubeou: “Amar. A melhor coisa do mundo é o amor sem falsidade. É o amor que Deus deixou”. Já sobre netos, bisnetos e tataranetos, Iracema já perdeu a conta de quantos herdeiros tem. “Não sei. É muita gente”, respondeu com uma sinceridade do tamanho do mundo. Professora histórica Olga Sampaio Cavalcanti, 84 anos, foi a primeira professora do Estado de Alagoas a trabalhar em Novo Lino. Nasceu no dia 19 de novembro de 1939, na Fazenda Piripiri, no município de Capela, em Alagoas. Apesar disso, começou a estudar em Murici-AL. Depois voltou para Capela onde fez todo o primário e o ginásio. Foi então que partiu para Viçosa/AL para estudar o Magistério. Aí retornou para Capela onde foi nomeada merendeira pelo Estado de Alagoas. Apesar disso, nunca chegou a trabalhar como merendeira porque substituía outras professoras de licença maternidade. Também dava aula particular em casa. Depois foi nomeada para assumir em Novo Lino também pelo Estado. Chegou ao município no dia 17 de abril de 1962, com apenas 22 anos de idade, e foi morar na casa de uma senhora amiga da família. A escola que começou a trabalhar ficava onde hoje é o Mercado Público. A instituição se chamava Escola Estadual Antônio Gomes de Barros, também conhecida como Instituto Tiradentes. Passava o dia inteiro na escola e, à noite, dormia na casa dessa senhora, onde hoje é uma igreja evangélica. Passaram-se três meses. Aí foi de férias para a casa dos pais em Capela. Na ocasião, disse ao pai que estava se sentindo sozinha. “Então ele falou para eu não me preocupar porque ele ia comprar móveis e equipar a casinha que ficava dentro do terreno da escola. Além disso, falou que eu não ia voltar sozinha, pois uma moça voltaria comigo para fazer companhia”, lembra. Um fato curioso foi quando, um belo dia, apareceu um cidadão na escola, em Novo Lino, e perguntou quem era a professora responsável pelo local. Aí ela respondeu: “Sou eu”. Então ele pediu permissão para entrar e conhecer a escola. O homem ficou surpreso porque a instituição não tinha bancas, birôs tampouco quadro de giz. Ele então perguntou como é que ela fazia para dar aulas. Olga respondeu que as crianças iam para a escola com um “tamboretinho” na cabeça e, lá se sentavam nele, para assistir às aulas. Na saída, ela perguntou o nome desse senhor, que respondeu “Arnon de Melo”, então senador, ex-governador de Alagoas e pai de Fernando Collor de Melo. Um mês depois, chegou um caminhão cheio de bancas, um birô e um quadro, bem grande. Olga lembra que foi pedida em casamento por Netinho Guedes Cavalcanti no dia do seu aniversário (19/11/1962). Casou em 8 de dezembro de 1963. Ela frisa que tem orgulho de dizer que foi professora de alunos que depois viraram vereadores, juízes, médicos e até prefeitos. Foi ainda vereadora por três vezes, secretária de Educação e ainda vice-prefeita, tudo em Novo Lino. Quando se aposentou, fez uma festa que veio até o secretário de Educação do Estado. Pense no prestígio. Moradora do Sítio Lino Marluce Maria da Silva, 70 anos, mais conhecida como Marluce de Seu Né, nasceu em Colônia Leopoldina e veio para Novo Lino atrás de emprego quando tinha 19 anos de idade. Na época, já tinha um casal de filhos. “O homem mora hoje em Mato Grosso, e a mulher na praia da Pescaria, em Alagoas”, explica. Marluce lembra que, por falta de melhores condições de vida, resolveu terminar o relacionamento que tinha. “Não quis mais nada com o peão e vim embora para Novo Lino”, conta. Na época, a filha menina ficou com a mãe dela em Colônia Leopoldina. Ao chegar em Novo Lino, foi logo procurar emprego no Bar de Deca, no centro, mas nada conseguiu. “Então encontrei umas primas que me trouxeram para cá (Sítio Lino). Foi quando encontrei Seu Né no meio do mato. Aí ele perguntou se eu era filha de Maria José, que era prima dele”, recorda. Foi o início de uma história de amor. “Seu Né tinha 61 anos e eu 19. Ele foi uma bênção que Deus me deu. Sempre cuidou de mim, nunca teve ciúme”, afirma. Apesar disso, uma tragédia marcou a vida de Marluce até hoje. “Tive uma filha que, com 2 anos e 10 meses, morreu atropelada na pista por um carro de uma empresa de bambu, na antevéspera de São João. Acabou a minha riqueza”, lamenta. Marluce lembra que, por ironia do destino, não conseguiu mais ter uma filha mulher com Seu Né. “Tive muitos abortos, todos de meninas.” Apesar de tanto sofrimento, ela sempre foi forte até na “hora de parir”. “Tive todos os meus filhos, sozinha, sem médico, sem parteira”, garante com orgulho. A agricultora aposentada explica que Seu Né tinha uma esposa que tomou remédio para abortar e acabou morrendo. “Ele passou dez anos viúvo. Ele tomava conta dessas terras, mas tudo estava no nome da sogra dele, Dona Augusta.” Dos três filhos com Seu Né, dois moram perto dela e o outro em São Paulo, com 44 anos. “Ele liga muito pra mim.” Manoel Monteiro de Araújo (Seu Né) era agricultor e comerciante. Ele plantava banana e cana. “Já eu trabalhei bastante na roça. Nunca aprendi a ler e comecei a trabalhar com 11 anos”, orgulha-se. Mulher de perseverança Irinéia Barbosa, 44 anos, é um exemplo daquele tipo de pessoa que não desiste nunca. Nascida e criada na Fazenda Itajubá, Irinéia conta que só saiu de lá em 2022, quando o dono da fazenda resolveu retirar algumas famílias de lá com uma indenização. Ela lembra com tristeza a morte do pai. “Ele morreu quando estávamos nos mudando para cá. Acho que foi por desgosto, já que a vida dele sempre foi a Itajubá. Já minha mãe é uma professora aposentada, que trabalhou por 30 anos na fazenda. Todos os alunos antigos passaram por ela.” Irinéia sempre encarou os estudos com responsabilidade. “Estudei o Ensino Fundamental I na fazenda. A partir do Ensino Fundamental II, vim estudar em Novo Lino e concluí o Ensino Médio, sempre em escola pública. Aí fui para Palmares estudar Licenciatura em Química e, depois, fiz a graduação em Psicologia em Maceió. Hoje sou funcionária pública da Prefeitura de Novo Lino”, afirma com orgulho. Ela se recorda de outras tragédias na família. “Uma irmã minha morreu ao cair de um caminhão e meter a cabeça no meio-fio quando tinha 12 anos, e eu 10. O meu avô também morreu batendo a cabeça no meio-fio.” A psicóloga sempre morou na zona rural, e por isso era difícil concluir o ensino fundamental e médio na cidade. “Meus amigos sempre zoavam de mim porque eu andava a pé 3,5 km pra ir e mais 3,5 km para voltar para casa. Inicialmente, até teve um transporte, mas, na maioria das vezes, não.” Por conta disso, todos os estudantes da fazenda acabaram desistindo, menos ela. “Eu continuei para me tornar licenciada em Química e formada em Psicologia. Fui a única da Fazenda Itajubá que chegou até aqui. No início foi difícil por conta do medo, já que eu fazia esse percurso sozinha. Meus pais, preocupados, não queriam deixar que eu viesse, mas fui persistente até chegar onde estou hoje. Sou concursada no primeiro concurso do município (eu tinha 18 anos). Optei pela vida profissional e, por isso, não casei. Mas tudo valeu a pena”, garante. “Título” de guerreiras Esse “título” de mulher guerreira também se estende à professora aposentada Lenira Estevam Carneiro, 66 anos; à funcionária da limpeza do Banco do Brasil Enilda Maria da Silva, 58 anos; à “guardiã” da estátua do Padre Cícero, Maria das Neves Frazão de Azevedo, 70 anos; à comerciante Maria do Socorro da Silva, 67 anos; à professora Edineide Dantas Pereira, 35 anos; à Edileusa; à Ana; à Maria, à Marcela... Ou seja, a todas as mulheres de Novo Lino.

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